Ninguém
segura
Esse País

A visão de um menino de 15 anos sobre o Brasil de 1970

 

Novo livro de Roberto Assaf

Sobre
o livro

Em “Ninguém Segura Esse País” vários segmentos se misturam e se encaixam para que se possa entender o cenário carioca e nacional de 1970.

O autor, que narra a sua própria história dentro da época, convivia com a adolescência quase perdida e o começo de uma maturidade ainda frágil, diante de fatos e imagens que superavam a sua completa compreensão.

Nosso país era o palco de uma tremenda intransigência política,indefinido entre uma puberdade tumultuada, carregada de indulgência, e uma fase adulta, que confundia desenvolvimento e autoritarismo, o que o levava a um questionamento geral, para o qual nem sempre existiam respostas.

Nesse cenário Roberto Assaf alimentava dúvidas existenciais, que a idade e as circunstâncias da época não permitiam solucionar, e o país estava efetivamente desorientado entre dois polos radicais – o da direita, tentando ocultar a nossa indisfarçável condição de Terceiro Mundo, e o da esquerda, cuja esperança era pôr em prática por aqui a ideologia aplicada em outros centros –, tudo em um mundo confuso, entre guerras e revoluções.

O menino fala de sua casa, a origem da família, a rua em que morava, o colégio e o ambiente geral que o cercava, todos perfeitamente inseridos no contexto de um relato explosivo que reúne humor, reflexão e a duríssima realidade.

Compreender os fatos não significa negar os choques que eles representam

Hannah Arendt
14/10/1906 – 4/12/1975

“Eu sei o que é ser jovem. Mas vocês não sabem o que é ser velho”

Orson Welles
6/5/1915 – 10/10/1985

“Pergunte ao Criador / Quem pintou
esta aquarela / Livre do açoite da senzala
/ Preso na miséria da favela”
Estação Primeira de Mangueira – 1988

(Alvinho, Hélio Turco e Jurandir)

“Brasil / Esquece o mal
que te consome / Que os filhos do planeta
fome / Não percam a esperança em te
cantar”

Mocidade Independente
de Padre Miguel – 2020
(DR Márcio, Igor Vianna, Jefferson
Oliveira, Prof Laranjo, Renan Diniz, Sandra
de Sá, Solano Santos e Telmo Augusto)

É possível conhecer a história de uma época visitando suas imagens, lendo sobre o assunto e ouvindo o testemunho dos principais protagonistas. Mas quando você vive efetivamente aquele momento, fica muito mais fácil compreendê-lo, pois não há nada como ter, na prática, a oportunidade de senti-lo em toda a sua intimidade. Roberto Assaf não teve aqui apenas o propósito de transcrever dados do impresso e da internet ou rever fotos e filmes antigos que pudessem exprimir uma noção dos fatos. Mas, sim, o desejo de narrá-los tais quais sua exata percepção. Afinal, estava próximo de completar 15 anos de idade. Ninguém tão bem à vontade para fazê-lo: Assaf vem de duas famílias que integraram e influenciaram o contexto daquele mítico ano, e assim, teve a chance de conviver com os dois lados de um Brasil dividido entre os extremos da direita e da esquerda nas ruas de Ipanema, nas favelas que rodeavam o bairro, num colégio tradicional de elite, dentro da sua própria casa, e no mundo carregado de conflitos que conheceu. O sequestro do embaixador alemão Von Holleben, que o menino acompanhou sem a compreensão absoluta, é o ponto de convergência de todos os fatos de um país e do Rio de Janeiro que experimentava a euforia das vitórias na Copa do Mundo e o ‘Milagre Brasileiro’ propagado pelo Governo Militar. Um relato curioso e honesto, enfim, da sociedade de 50 anos atrás.

Leia

Trecho do
Capítulo 1

Pois é. Saiba em que terreno você está pisando. O ano é o de 1970. Notadamente de destaques políticos. No Brasil e no mundo. Em 2 de fevereiro, morreu o filósofo e matemático Bertrand Russell (18/5/1872), um dos maiores críticos da Guerra do Vietnam. Em 5 de março, entrou em vigor o Tratado de Não Proliferação de Armas, para viabilizar o uso pacífico da tecnologia nuclear. Em 7 de abril, “Perdidos na Noite” – “Midnight Cowboy” no título original – ganhou o Oscar de Melhor Filme. No dia 10, Paul McCartney (18/6/1942) anunciou, em entrevista, o fim dos Beatles. “O sonho acabou”, concluiu John Lennon (1940-1980).

Em 8 de julho, a Volkswagen anunciou a fabricação do milionésimo veículo, após 13 anos de atividades no país. Em 27 de julho, morreu Antônio de Oliveira Salazar (28/4/1889), ditador de Portugal desde 1932. Em 31 de julho, os guerrilheiros esquerdistas Tupamaros sequestraram, em Montevidéu, o cônsul brasileiro Aloísio Dias Gomide (1929-2015), solto 205 dias mais tarde, em troca de uma recompensa de 250 mil dólares. Em 10 de agosto, o mesmo grupo uruguaio matou, no subúrbio da cidade, o agente da CIA Daniel Anthony Mitrione (4/8/1920), que ensinava métodos de tortura aos governos da América Latina.

Em 28 de setembro, morreu no Cairo Gamal Abdel Nasser (15/1/1918).
Presidente do Egito desde 1954, nacionalizou em 1956 o Canal de Suez, criou com Iêmen e Síria a República Árabe Unida (1958-1961) e enfrentou Israel, sem sucesso, na Guerra dos Seis Dias (1967). Em 22 de outubro, o Papa Paulo VI (1897-1978) nomeou arcebispo de São Paulo o frade franciscano Dom Paulo Evaristo Arns (1921-2016), que permaneceu no cargo até 15 de abril de 1998, com atuação voltada à periferia paulistana.

Em 24 de outubro, no Chile, Salvador Allende (1908-1973) foi o primeiro chefe de estado marxista eleito democraticamente no mundo. No dia seguinte, entretanto, agentes da CIA, autorizados por Henry Kissinger (27/5/1923), então assessor de Segurança Nacional dos Estados Unidos, assassinaram o general René Schneider (31/12/1913), escolhido comandante das Forças Armadas do novo governo. O objetivo era forçar um golpe militar para arrancar o presidente do cargo, o que só viria a ocorrer em 11 de setembro de 1973.

Em 9 de novembro, faleceu Charles de Gaulle (22/11/1890), presidente de fato da França entre 1959 e 1969. No dia 15, ocorreram eleições gerais no Brasil, para senador, deputado estadual e federal, prefeito e vereador. Em 27 de novembro, o Papa Paulo VI sofreu um atentado no aeroporto de Manila, nas Filipinas. Benjamin y Amor Flores (1933-2004), um boliviano de nome sugestivo, tentou, sem sucesso, matá-lo com um punhal. Em 7 de dezembro, mais um sequestro, o de Giovanni Enrico Bucher (1913-1992), embaixador da Suíça, no Rio de Janeiro.

O menino em questão nas páginas seguintes é o autor do livro. Completaria 15 anos de idade em 1º de outubro de 1970. Vivia uma realidade confortável. Morava em um apartamento de sala e três quartos na Rua Barão de Jaguaribe, em Ipanema, estudava em um colégio tradicional, o Padre Antônio Vieira, e frequentava o Iate Clube, mas tinha desde criança uma paixão – o futebol – que o levava a lidar, com alguma intimidade, com a tal linha tênue que separava os dois Brasis.

A Barão de Jaguaribe, assim mesmo, com bê na última sílaba, como seus moradores a chamavam, foi a mais agitada de Ipanema antes da especulação imobiliária tentar varrê-la do mapa. Aconteceu no fim da década de 1960, quando os trilhos dos bondes ainda estavam visíveis na Visconde de Pirajá,
época que parece tão perdida no espaço quanto o amolador de facas que executava, em pleno exercício da sua atividade, a “Cidade Maravilhosa”, o hino que permanece ecoando aos ouvidos dos velhos arbustos, que se sustentam como testemunhas do tempo em que os arranha-céus começaram a quebrar a paisagem.

Aliás, é sempre interessante e de fina ironia destacar que os poderosos que desceram de paraquedas nas construções modernas não conseguiram encontrar exatamente o que buscavam, a tranquilidade e o bucolismo que as imobiliárias prometiam, mas que trataram de exterminar a cada tijolo, a cada viga, a cada parede erguida.

Hoje, lá estão eles, em suas fortalezas, escondidos atrás de grades, ferrolhos e seguranças armados até os dentes, com suas janelas lacradas, sem chance de sentir, ou pior, de perceber o cheirinho das amendoeiras que resistem a tudo, deixando no ar o sentimento de que a alma da rua sobrevive. O mar próximo, o charme que apesar de tudo parece inesgotável, a tradição e a resistência de alguns continuam contribuindo para que a Barão de Jaguaribe, como o próprio bairro, siga preservando algumas das suas identidades.

As peladas da Barão eram o grande centro de convivência social. Reuniam gente das ruas próximas, da praia, da Cruzada São Sebastião, do Cantagalo, da Praia do Pinto e, vez por outra, até trabalhadores de obras das […]

 

Capítulos

páginas

Roberto Assaf

Roberto Assaf nasceu no Rio de Janeiro em 1º de outubro de 1955. Completou o curso de Jornalismo da Faculdade Hélio Alonso em 1982. Trabalhou na Cooperativa Brasileira de Cinema (1980 – 1981), Jornal dos Sports (1982), Rádio Estácio FM (1983), Última Hora (1984 – 1985), Jornal do Brasil (1985 – 1989 e 1992 – 2002), Tribuna da Imprensa (1989 – 1991 e 2002 – 2003), TV Educativa do Rio de Janeiro (1996 – 1999), Planeta Gol / Miami-EUA (1999 – 2000), ESPN Brasil – São Paulo (2001 – 2003), Sportv / Globosat (2003 – 2009) e Lance – jornal, rádio e TV (2002 – 2016). Foi professor de Jornalismo da Faculdade Hélio Alonso de 2003 a 2013. E tem 18 livros publicados: Campeonato Carioca, 96 anos de história (1997 e 2010 – com Clóvis Martins), Mundo das Copas do Mundo (1998 – com Clóvis Martins), Vasco da Gama, O Livro Oficial do Centenário (1998 – com vários autores), Fla-Flu, O Jogo do Século (1999 – com Clóvis Martins), Flamengo x Vasco, O Clássico dos Milhões (1999 – com Clóvis Martins), Almanaque do Flamengo (2001 – com Clóvis Martins), Bangu, bairro operário, terra do samba e do futebol (2001), Banho de Bola – Os Técnicos, As Táticas e As Estratégias do Futebol (2002), Zico, 50 Anos de Futebol (2003 – com Roger Garcia), Seleção Brasileira, 90 anos – Livro Oficial da CBF (2004 e 2006 – com Antônio Carlos Napoleão), Ipanema, Lado B (2007), História Completa do Brasileirão (2007 e 2010), Grandes Jogos do Maracanã (2008 – com Roger Garcia), Os 50 Maiores Jogos do Flamengo (2010 – com Roger Garcia), Maracanã, 60 anos (2010 – com vários autores), Maracanã, Século 21 (2013 – com vários autores), Isto é Flamengo (2016 – com Cláudio Lacerda) e Seja no Mar, Seja na Terra (2019).

Outros livros
do autor

Seja no Mar, Seja na Terra

Os 50 Maiores Jogos do Flamengo

Almanaque do Flamengo

Ipanema, lado B

Seleção Brasileira, 90 anos – Livro Oficial da CBF

Bangu, bairro operário, terra do samba e do futebol

História Completa do Brasileirão

Zico, 50 Anos de Futebol

Fla-Flu, O Jogo do Século

Grandes Jogos do Maracanã

Flamengo x Vasco, O Clássico dos Milhões

Vasco da Gama, O Livro Oficial do Centenário

Banho de Bola – Os Técnicos, As Táticas e As Estratégias do Futebol

Maracanã, Século 21

Mundo das Copas do Mundo

Maracanã, 60 anos

Isto é Flamengo

Campeonato Carioca, 96 anos de história